"Blue Jeans" Uma Quatro L de sessenta e dois.


Com esta página vou procurar contar e documentar, a história desta Renault 4L que me chegou de forma completamente inesperada e fulminante.

- A PAIXÃO

A minha paixão pelo modelo já vem do início dos anos oitenta, quando a administração da RIMA, empresa em que ao tempo trabalhava, decidiu substituir a frota automóvel composta pelos velhos VW Carocha, também este um Grandíssimo carro, por carrinhas mais que aprovadas e de reconhecidas qualidades; a Renault 4L.
Eram aos milhares os quilómetros que mensalmente fazia no desempenho das minhas funções de assistência técnica, percorrendo as estradas deste Portugal a norte ao longo de dez anos, ao volante da 4L.

A sua fiabilidade, simplicidade, agilidade e versatilidade, levaram-me desde essa altura a interiorizar que um dia haveria de comprar um carro destes para uso próprio, podendo desfrutar a meu belo prazer de todas as suas qualidades e capacidades.

Depois de atender a outras prioridades que a vida entretanto foi colocando, esse dia viria a chegar na Primavera do ano 2006, ao adquirir uma GTL branca de 1987 com sistema GPL instalado, que muito jeito tem dado e agora mais que nunca…

Lá em casa, por motivos óbvios, foi baptizada de “Ratoeira”...
Com a minha filiação e o registo da carrinha no 4.clube.portugal, com a participação familiar desde então em variadíssimos Encontros e Concentrações organizados pelo Clube e não só, a convivência com pessoas de sentimentos similares e principalmente as relações de amizade que naturalmente se foram criando e multiplicando, contribuíram de forma decisiva para que o “Bichinho pela Coisa” tenha vindo a aumentar de forma significativa a ponto de, ao momento, ter na garagem a “Ratoeira” e a “Algarvia”, um exemplar de 1969 adquirido em Loulé, pelo gosto de ser um modelo mais antigo e com a intenção de fazer um restauro de A a Z...
- A AQUISIÇÃO

Certo dia, na pacatez das noites familiares, em viagens e pesquisas Ciber-nautas, deparo com uma Bela 4L de 1962, à venda num Sitio Francês da Internet.

Partilhei o anúncio com os meus e comentamos as significativas diferenças entre o modelo presente e dos dois que estavam na nossa garagem.
Depois disso, não falamos mais sobre o dito anuncio, em família...
Mas o “Bicho” ferrou!... A antiguidade, a cor, os para-choques tubulares cromados e outras singularidades notadas no interior e no exterior, lavaram-me no dia seguinte a rever o “Site” e de forma algo precipitada, talvez porque o anúncio tinha dias, talvez pelo aparente bom estado geral ou ainda por não achar o custo exagerado face ao praticado por cá, mas acima de tudo pelo ano de fabrico, levou-me ao primeiro contacto com o vendedor.

Sucederam-se trocas de e-mails, pedidos de fotos, mostrando outros ângulos e outros pormenores, informações sobre documentação, se circulava?... ... As respostas iam chegando de forma séria, esclarecedora e de encontro às minhas expectativas, reforçando o meu entusiasmado quanto à possibilidade de poder adquirir uma Renault 4L em excelente estado de conservação e do primeiro ano de fabrico em série.

Tal entusiasmo levou-me ao contacto telefónico com o vendedor, que depois de algumas perguntas de circunstância, dei por mim a negociar a carrinha, solicitando a baixa do preço anunciado para mínimos possíveis e comportáveis...

O coisa precipitou-se, quando em conversa sobre o assunto, um amigo ligado ao negócio de carros importados me informa que partia brevemente para França, tendo no trajecto que o levaria a Paris, passagem obrigatória por Angoulême, cidade na qual se encontrava a dita carrinha, oferecendo-se para em loco, ver o estado geral dela e caso o negócio me interessa-se, poder servir de intermediário entre as partes, levando-me de imediato a ligar ao vendedor pedindo para reservar a carrinha...

Dias depois recebo um telefonema do Nelo, que junto do vendedor e da 4L me foi dando conta da situação, acabando por se fechar o negócio na hora, de forma rápida e satisfatória.


Passados oito dias e aproveitando a boleia em atrelado próprio para o transporte dos automóveis que o meu amigo comprou nessa deslocação a Paris e sem qualquer complexo pela companhia dos Topo de Gama da Mercedes e BMW, eis que chega a Felgueiras, envolta no maior secretismo familiar, a “Blue Jeanes”.
Enviadas pelo antigo proprietário, vinham no seu interior um bilhete de cortesia manuscrito pelo próprio,  um Manual de Utilizador original, um Manual Técnico do modelo, dois farolins de estacionamento novos, uma Grelha frontal nova, a documentação do Seguro válido por um mês em Portugal e documentação e selo da inspecção periódica válida para dois anos em França... Mais tarde enviei ao antigo proprietário o Link desta página que o deixou fascinado e feliz...
Logo nas primeiras semanas, depois de me “espetar” nela que nem criança em brinquedo novo, lavando-a, fotografando-a ao pormenor, depois de mudar óleo e filtros, não resisti a dar umas voltas clandestinas pelos arruamentos periféricos.

Aproveitando a experiência, dicas e outros conhecimentos do meu amigo, resolvi legaliza-la mesmo antes do restauro programado, pois era enorme a vontade de desfrutar da sua condução.

- A LEGALIZAÇÃO

Logo à primeira vista a tarefa pareceu-me um bicho-de-sete-cabeças, tantas eram as voltas e papeladas necessárias para o efeito, agravada pelo facto de ser minha vontade pedir matrícula da época.


Alfandega, Inspecção tipo B no IMTT, pedido de homologação à Renault Portuguesa, vistoria do CPAA, e nova vistoria no IMTT (?), eram as exigências pelas quais teria que passar, tendo logo nas primeiras diligências concluído que, o meu gosto por Automóveis Clássicos e Antigos me empurrava para o meio de Ladrões, Oportunistas e Cretinos…

... A Renault Portuguesa teve o desplante e a fraca figura de me roubar 120€ ao não me devolver o dinheiro que antecipadamente me exigiram para homologar o carro mas, porque o modelo em questão nunca foi Importado para o nosso País, acabaram por não o fazer, obrigando-me... a recorrer à Renault Francesa, da qual recebi o respectivo documento pelo valor de 80€!...


... Já o IMTT, ao legalizar um Veículo de Interesse Histórico e Museológico, só admite a entrega da documentação original, que acabará por morrer dentro de pastas de arquivo, retirando ao proprietário a possibilidade de posse dos documentos autênticos...

 ... Por outro lado, a Direcção de Finanças, por eu ter importado um carro com 48 anos de idade, considerado Veículo de Interesse Histórico e Museológico, aplica-lhe um Imposto de Circulação vitalício, como que a prevenir os aficionados destas coisas, a não voltarem a repetir a Graça...

Alguns meses depois e por ausência de notícias, desloquei-me ao IMTT no sentido de saber algo mais sobre os avanços do processo, sendo informado que havia cerca de 35 pedidos de matrículas do ano à minha frente, correndo o risco de esperar anos pela placa de 1962.

Acedendo ao conselho de optar por outra matricula chegada o mais possível ao ano pretendido, em breve fui notificado para levantar na C.R.A. uma matrícula de 1968, que outrora pertencera a uma HANOMAG, identificando agora a RENAULT 4L com a chapa, RR-15-88.

Mais tarde e numa exposição de Clássicos na Exponor, fui informado que a RR era da série 15, sendo o ano dessa matricula 1958, ficando a "Blue Jeans" matriculada com chapas anteriores ao seu fabrico!!!...
... Do mal, o menos...

Com todas as formalidades legais resolvidas, depois de alguns testes de Stress feitos, depois de sentir e desfrutar um pouco do prazer da sua condução e depois da apresentação à família que a recebeu de forma entusiástica, chegou o momento de partir para o próximo passo.

- O RESTAURO. (Em fases progressivas)

Havia a curiosidade em saber o que estava por baixo daquela pintura de origem e do aparente bom estado apresentado.

Na desmontagem das primeiras peças logo começou a vir ao-de-cima aquilo que esperava, a confirmação que a chapa estava em excelente estado, com excepção dos fundos da frente e da base de apoio da bateria que estava corroída.


















Depois de retiradas algumas mossas e dados alguns pingos de solda aqui e ali, depois de desmontada e separada a carroçaria do chassis, partiu-se para a substituição dos fundos da frente e raspagem à chapa de todas as peças.












O serviço lá ia continuando a bom ritmo... Aparelhar as peças foi o trabalho seguinte.




Com toda a carroçaria aparelhada, lixada e vedada,  foi dada a primeira-de-mão na estrutura principal...


Foi dado um tratamento diferenciado nas zonas de águas e lamas.


Depois, todos os elementos deram entrada na estufa de pintura.








Entretanto vão chegando acessórios para substituir. Bancos originais. 
Chegou também um logótipo da época em alumínio. O original dourado, havia de chegar mais tarde.
Também da época, arranjei por cá uma coca do farol, nova.
Na oficina o serviço ia prosseguindo, agora no Chassis.



Em casa vai-se fazendo alguma bricolage, recuperando a chauffage...
Os radiadores do motor e do aquecimento foram refeitos...
O motor foi pintado e montado, pois decidi não o abrir para qualquer revisão.

Sempre que andei com a carrinha antes de iniciar o restauro, o motor deu mostra de estar são, tanto pelas provas de esforço a que foi submetido, como pelo seu trabalhar sereno e constante.



Como não tenho como saber os quilómetros correctos, nem se alguma vez o motor foi aberto, fico-me pela expectativa, esperando o que o futuro me vai trazer.

As 5 Jantes depois de limpas a Jacto de areia, foram metalizadas e pintadas. Os pneus estavam novos, não sendo necessário substituí-los.

Respeitando a originalidade, foram pintadas à mesma cor as armações dos bancos, os acessórios de fixação dos mesmos, o suporte da bomba de água do limpa-vidros e as chapas de fixação dos esticadores das portas.

E assim chegamos ao início da tão esperada montagem.

Em casa vão-se prosseguindo alguns trabalhos de recondicionamento, como dos travões e suportes das palas.
Procurando manter o rigor da originalidade, acabei por não colocar as palas.

Na oficina a montagem continua. Foram substituídas as borrachas das portas bem como as calhas dos vidros.







A parte traseira exterior, está concluída... 





E é nesta fase que começam a aparecer as primeiras contrariedades...
Está danificada e não encontro a borracha de ligação do reservatório de óleo  à bomba de travões . A solução alternativa passará pelo torneiro...

... E o torneiro fez um excelente trabalho. Embora tendo arranjado borrachas novas à posterior, vou manter esta solução que me parece definitiva.
Também não encontro as rótulas inferiores da direcção para este 1º modelo...  A solução também deve passar pelo torneiro...

... Mas não passou. Verificou-se que as rótulas estavam boas, só os foles estavam rotos. Então foram descravadas, limpas, lubrificadas, substituídos os foles e montadas novamente.

Mais um problema... Não encontro tecido da época para forrar os assentos. A solução passará pela escolha de algo semelhante, esperando ficar satisfeito com o resultado final...

Outro problema bicudo... As borrachas que forram a cava das rodas estão descoloridas e sujas... Estou esperançado que vou resolver este problema com uma solução ligada à indústria do calçado...
... E esta dificuldade foi superada como previsto de forma altamente satisfatória. O resultado final foi excelente...
Com o bom ritmo da montagem já em fase de conclusão, começam a chegar algumas peças de substituição da mecânica. 

Também chegaram da cromagem, os tampões das rodas e a haste do espelho retrovisor externo. Quem os viu e quem os vê!...
Já pelo seu próprio pé, a carrinha foi até à oficina mecânica pois havia chegada a hora dos últimos serviços. Depois de substituídas as rótulas, foles, casquilhos e outras peças, seguiram-se os ajustes da mecânica nos travões, embraiagem, carburador, etc...

Também a parte eléctrica foi revista. Depois de uma intervenção destas, no final há sempre um fio trocado ou uma lâmpada que não acende...


Tudo afinado, revisto e com a bateria nova a "Blue Jeans" está pronta.
Segue-se a inspecção e o esperado regresso à estrada.
Com a passagem na inspecção sem anotações, a carrinha voltou ao pintor, desta vez para as limpezas finais.

Estes são os homens que, com toda a sua experiência em restauros de clássicos, se empenharam fortemente para que o resultado final fosse louvado por todos quantos o venham a apreciar. Para eles os meus agradecimento. 
Assim e porque os restauros de clássicos nunca devem ser feitos à pressa, passados 21 meses a "Blue Jeans"  volta de novo e em definitivo à estrada e desta vez em estreia absoluta, a casa...
Ainda com os bancos que vieram instalados, continuo à espera de arranjar um tecido o mais semelhante possível ao original, para colocar os assentos da época.
Finalmente!!!

Depois de correr mil e um armazéns a coleccionar amostras, depois de contactar com casas da especialidade em França e na Alemanha e depois de falar com alguns estofadores catedráticos da nossa praça, lá encontrei um tecido que se assemelhava muito ao original e no qual recaiu a minha escolha final.

Depois de estofados e colocados os bancos, a "Blue Jeans" ganhou uma nova alma, que a fez regressar ao seu estado (quase) original.





- NOTAS FINAIS

Com esta operação, fecha-se o ciclo e com ele esta página, porém, não a posso encerrar sem que deixe aqui o meu profundo agradecimento aos muitos amigos, que de forma generosa e desinteressada, deram o seu contributo na superação das dificuldades que se foram deparando ao longo de todo o processo.

Eles são:

- Paulo Maio
- Jorge Machado
- Mário Carvalho
- Rodrigo Mário
- Serafim Mendes
- Rui Pedro
- Fernando Palma
- Filipe Peixinho
- Eugénio Cunha
- Jorge Ribeiro
- Paulo (Trofa)
- António Pimenta
- Domingos Valentim
- Adão (plásticos S.José)

Muitos mais foram aqueles que contribuíram para que este projecto se tornasse realidade, ou os que me deram força para que este desfecho fosse possível, como muitos são aqueles que vão louvando o resultado final. 

Para todos um Bem Haja.

FIM.